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152 arcebispos e bispos subscreveram a carta que lamenta a inercia e a omissão do governo |
Um grupo de 152 arcebispos e
bispos da Igreja Católica assinaram uma carta com duras críticas ao
presidente Jair Bolsonaro (sem
partido). No documento, os religiosos citam que o governo federal demonstra
"omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres", além de
"incapacidade para enfrentar crises".
"O desprezo pela educação,
cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece."
Ao longo do texto, os bispos afirmam que a situação "é visível nas
demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas;
na escolha da educação como inimiga e nos sucessivos e grosseiros erros na
escolha dos ministros".
A carta, que seria publicada na última quarta-feira (22), chegou a ser
suspensa para análise do Conselho permanente da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), no entanto, acabou vazando neste domingo (26).
Ao G1 a secretaria de
comunicação da CNBB informou que o documento "nada tem a ver" com a
conferência." É de responsabilidade dos signatários". O Palácio do
Planalto disse que não vai comentar o caso.
'Carta ao Povo de
Deus'
Ainda de acordo com o texto, chamado de "Carta ao Povo de
Deus", os bispos e arcebispos afirmam que o presidente da República usa o
nome de Deus para "difundir mensagens de ódio e preconceito".
"Como não ficarmos indignados
diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e
posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para
legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?"
O documento também pede "união" por um diálogo contrário às
ações do governo. Neste ponto, os religiosos convocam os leitores para "um
amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a
democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja
restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de
Direito".
"[...] com ética na política, com transparência das informações e
dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça
socioambiental, com 'terra, teto e trabalho', com alegria e proteção da
família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos."
Covid-19
Na carta, os religiosos afirmam que o Brasil atravessa "um dos
momentos mais difíceis de sua história", vivendo uma "tempestade
perfeita". Essa tempestade, nas palavras dos bispos, culminaria em uma
"crise sem precedentes na saúde" e em um "avassalador colapso na
economia", com a tensão "provocada em grande medida pelo Presidente
da República [Jair Bolsonaro] e outros setores da sociedade".
" Analisando o cenário político,
sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do governo
federal em enfrentar essas crises", diz trecho da carta.
Com base em versículos bíblicos, o texto cita o atual momento da
pandemia enfrentada pelo país e o aumento de casos e óbitos pelo novo
coronavírus. "Assistimos discursos anticientíficos, que tentam naturalizar
ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela Covid-19".
"Esse discurso não se baseia nos
princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a
Doutrina Social da Igreja."
O documento termina com um pedido da igreja ao povo brasileiro por união
aos movimentos que "buscam novas e urgentes" alternativas para o
país.
"Despertemo-nos, portanto, do
sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de
mortes e da violência que nos assolam", conclui.
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Leia abaixo a
íntegra da carta assinada por 152 bispos da CNBB:
"Somos
bispos da Igreja Católica, de várias regiões do Brasil, em profunda comunhão
com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, que no exercício de sua missão evangelizadora,
sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Escrevemos esta
Carta ao Povo de Deus, interpelados pela gravidade do momento em que vivemos,
sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos
os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento
do povo.
Evangelizar
é a missão própria da Igreja, herdada de Jesus. Ela tem consciência de que
“evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Alegria do Evangelho,
176). Temos clareza de que “a proposta do Evangelho não consiste só numa
relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida
como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos
necessitados [...], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a
própria consciência. A proposta é o Reino de Deus [...] (Lc 4,43 e Mt 6,33)”
(Alegria do Evangelho, 180). Nasce daí a compreensão de que o Reino de Deus é
dom, compromisso e meta.
É
neste horizonte que nos posicionamos frente à realidade atual do Brasil. Não
temos interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer
outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus, presente em nossa
história, na medida em que avançamos na construção de uma sociedade
estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor.
O
Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, comparado a uma
“tempestade perfeita” que, dolorosamente, precisa ser atravessada. A causa
dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um
avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os
fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da
República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise
política e de governança.
Este
cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas
instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos
ideológicos fechados. Somos convocados a apresentar propostas e pactos
objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida,
principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade
estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta
indiferença.
É
dever de quem se coloca na defesa da vida posicionar-se, claramente, em relação
a esse cenário. As escolhas políticas que nos trouxeram até aqui e a narrativa
que propõe a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não
justificam a inércia e a omissão no combate às mazelas que se abateram sobre o
povo brasileiro. Mazelas que se abatem também sobre a Casa Comum, ameaçada
constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros,
mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que
despreza os direitos humanos e os da mãe terra. “Não podemos pretender ser
saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra
sangram também a nós” (Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por
ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/06/2020).
Todos,
pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento
tão grave e desafiador. Assistimos, sistematicamente, a discursos
anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de
mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino, o
caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são
projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à
manutenção do poder a qualquer preço. Esse discurso não se baseia nos
princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a
Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que veio “para que todos tenham
vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Analisando
o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e
inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises. As reformas
trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais
pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do
povo. É verdade que o Brasil necessita de medidas e reformas sérias, mas não
como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres,
desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos,
afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum
e a paz social. É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que
privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande
maioria da população.
O
sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos,
mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria
do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço. Convivemos,
assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar
suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra
estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do
totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo
a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de
armas de fogo pela população, e das leis do trânsito e o recurso à prática de
suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma
massa de seguidores radicais.
O
desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece.
Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no
apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos
sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio
ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de
processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância
pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na
desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença
pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e
mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da
Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação
do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares
dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão
adoecendo nos esforços para salvar vidas.
No
plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários,
responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes
grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada
produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados
ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da
destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação,
educação, moradia e geração de renda.
Fechando
os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal
demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da
sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as
populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos
milhares, em todo o Brasil. Estes são os mais atingidos pela pandemia do novo
coronavírus e, lamentavelmente, não vislumbram medida efetiva que os levem a
ter esperança de superar as crises sanitária e econômica que lhes são impostas
de forma cruel. O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial
para Enfrentamento à COVID-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento
de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água
potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia
intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios
indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais (Cf. Presidência da CNBB,
Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020).
Até
a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões,
difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o
quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico,
especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a
manutenção do poder autoritário. Como não ficarmos indignados diante do uso do
nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas,
que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não
condizem com o Reino de Deus e sua justiça?
O
momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo
diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia,
movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja
restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de
Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos
públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental,
com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e
saúde integrais e de qualidade para todos. Estamos comprometidos com o recente
“Pacto pela vida e pelo Brasil”, da CNBB e entidades da sociedade civil
brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para
pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e
Clara”, bem como, unimo-nos aos movimentos eclesiais e populares que buscam
novas e urgentes alternativas para o Brasil.
Neste
tempo da pandemia que nos obriga ao distanciamento social e nos ensina um “novo
normal”, estamos redescobrindo nossas casas e famílias como nossa Igreja
doméstica, um espaço do encontro com Deus e com os irmãos e irmãs. É sobretudo
nesse ambiente que deve brilhar a luz do Evangelho que nos faz compreender que
este tempo não é para a indiferença, para egoísmos, para divisões nem para o
esquecimento (cf. Papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi, 12/4/20).
Despertemo-nos,
portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade
de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo,
alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras
das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).
O
Senhor vos abençoe e vos guarde. Ele vos mostre a sua face e se compadeça de
vós.
O
Senhor volte para vós o seu olhar e vos dê a sua paz! (Nm 6,24-26)."
*******Fonte G1 com redação Boa Notícia no Rádio